O transplante cardíaco é a substituição do coração que
apresenta uma miocardiopatia em fase terminal pelo coração de uma pessoa falecida.
A indicação se realiza em pacientes com insuficiência
cardíaca terminal em que apresente essencialmente sinais de risco de morte súbita, ausência de resposta ao tratamento médico
máximo ou a uma cirurgia convencional e com uma expectativa de vida inferior a um ano.
A maioria das indicações se realiza em pacientes com
uma miocardiopatia dilatada ou com uma miocardiopatia isquémica (pacientes com doença coronária que sofreram um ou vários
enfartes agudos de miocárdio extensos) com uma disfunção severa da contracção do ventrículo esquerdo.
Outras indicações menos frequentes e que representam
menos do 15% dos transplantes realizados são a miocardiopatia secundárias a doenças valvulares cardíacas que produziram um
dano irreversível no ventrículo esquerdo e algumas cardiopatias congénitas.
Todos
os pacientes com uma miocardiopatia em fase terminal podem beneficiar com o transplante cardíaco?
A desproporção entre o número de pacientes com uma miocardiopatia
severa sem resposta ao tratamento médico (11 milhões de pessoas no mundo) e o número de receptores potenciais, exige a realização
do transplante cardíaco unicamente àqueles pacientes que não podem recorrer a outro tratamento médico ou cirúrgico. Assim,
muitos pacientes com uma miocardiopatia isquémica podem recorrer à cirurgia de revascularização miocárdica convencional mediante
“bypass” aorto- coronário ou pacientes com miocardiopatia e insuficiência secundária da válvula mitral podem beneficiar-se
da correcção mediante uma anuloplastia mitral.
Ademais, não são todos os pacientes com uma insuficiência
cardíaca terminal que podem beneficiar do transplante cardíaco pela presença de contra-indicações:
· Hipertensão arterial pulmonar: um ventrículo direito
normal, inadaptado para vencer resistências vasculares pulmonares elevadas, fracassará se se utiliza como doadora. Nestes
casos, está indicada a realização de um transplante em bloco do coração e os dois pulmões (transplante cardiopulmonar).
· Infecção: a presença de uma infecção conduzirá a um desenlace
fatal se realiza o transplante por agravamento da infecção ao iniciar o tratamento imunossupressor.
· Neoplasia ou doença sistémica com curto prognóstico de
vida. Um câncer com um período de remissão inferior a 5 anos se é considerado uma contra-indicação pela reactivação da doença,
secundária ao tratamento imunossupressor. Este período é maior para o câncer de mama.
· Insuficiência renal severa: o agravamento da insuficiência
renal depois do transplante com o tratamento imunossupressor pode indicar a realização de transplante renal, além do transplante
cardíaco.
· Instabilidade psicossocial: as alterações psicopatológicas,
um meio social instável e uma história de alcoolismo, drogra ou não cumprimento das ordens médicas vão correlacionar-se com
uma reabilitação pós-operatória inadequada.
· A cada caso concreto, é necessária a compatibilidade
a nível de grupo sanguíneo A B 0 entre o doador e receptor e a presença de um “cross match” negativo ao enfrentar
os linfócitos do doador com soro do receptor.
O doador
O desenvolvimento clínico do transplante cardíaco
que obriga a utilizar enxertos sem dano isquémico contribuiu a potenciar o interesse pelo conceito da morte baseada em
critérios neurológicos.
Habitualmente, diagnostica-se pela cessação da
actividade cardíaca, porque a ausência de irrigação sanguínea ao cérebro produz a sua morte. No entanto, em 1% das pessoas
falecidas ocorre o caminho inverso, isto é, produz-se primeiro a morte cerebral por um traumatismo crânio-encefálico, uma
hemorragia cerebral, etc., e secundariamente, ao cabo de umas horas ou de vários dias, produz-se a paragem cardíaca.
O doador é uma pessoa falecida seguindo critérios neurológicos que mantém a actividade
respiratória conectada a um respirador por não ter atividade o centro respiratório e que durante as primeiras horas ou dias,
até que sobrevem a paragem cardíaca, mantém a função dos outros órgãos e sistemas.
O número limitado de pacientes potenciais exige que todo o doador deva ser considerado multiorgânico para rins, coração,
pulmões, fígado, pâncreas, córneas e ossos.
A rejeição aguda
Os estudos experimentais de transplante cardíaco
demonstraram que no coração, igual que em outros órgãos sólidos, produz-se uma reacção imune do hóspede que, se não é controlada,
produz a destruição do enxerto. A resposta imune e as possibilidades de rejeição são maiores durante os primeiros meses.
Podemos considerar a rejeição:
- Hiperaguda: é uma complicação pouco
frequente que condiciona o êxito do transplante do coração nos primeiros minutos ou horas depois do transplante.
- Agudo: caracteriza-se por uma inflamação
que, segundo o grau, pode produzir necroses miocárdicas. A maioria dos pacientes transplantados sofrem alguma rejeição aguda
durante os primeiros meses, apesar do tratamento imunossupressor, mas 95% destas rejeições agudas, se são diagnosticados precocemente
e tratadas adequadamente, resolvem-se sem sequelas.
- Rejeição crónica, que afecta às artérias
coronárias do coração e têm relação com a arteriopatia do enxerto.
- Para prevenir a aparição de uma rejeição
aguda, e que esta rejeição se possa controlar e curar, é necessário administrar um tratamento imunossupressor. A incorporação
da Ciclosporina A, utilizada pela primeira vez no transplante cardíaco clínico em 1980, o desenvolvimento de novos agentes
imunossupressores e a recuperação de outros fármacos que tinham caído em desuso, contribuíram para um amplo espectro de agentes
imunossupressores, que permitem elaborar protocolos de imunossupressão individualizados para cada paciente.
Complicações:
- Além dos episódios de rejeição aguda,
habituais nos pacientes transplantados, principalmente durante os primeiros meses, mas que se são diagnosticados precocemente
curam sem sequelas.
As complicações mais importantes são:
- Infecção: as complicações infecciosas
são a principal causa de mortalidade depois do transplante cardíaco. Por isso, é necessário manter um estreito equilíbrio
entre tratamento imunossupressor e o risco de infecção, sendo preferível o desenvolvimento de episódios de rejeição não severos
que possam incrementar o risco de uma infecção incontrolada.
- Doença vascular do enxerto ou arteriopatia
do enxerto. A diferença dos episódios de rejeição aguda, é uma patologia lentamente evolutiva, caracterizada por uma afectação
coronária, cujas manifestações clínicas aparecem tardiamente.
- Neoplasias: a utilização de fármacos
imunossupressores condicionou a aparição de uma série de neoplasias nos pacientes transplantados. A sua incidência varia segundo
a área geográfica que se considere, devido à elevada incidência de cânceres cutâneos em algumas zonas, consideradas de elevado
risco. Excluído o câncer de pele, a incidência média é do 4 % dos pacientes transplantados, incidência 100 vezes maior que
a esperada no resto da população com idade similar. Dentro destas neoplasias, depois do câncer de pele seguem em frequência
os linfomas, que se desenvolvem em 2 % dos pacientes transplantados.
- Toxicidade por fármaco: às complicações
infecciosas e desenvolvimento de neoplasias relacionadas com o tratamento imunossupressor, é necessário adicionar a toxicidade
produzida por estes fármacos. Assim, alguns destes fármacos podem produzir hipertensão arterial, insuficiência renal ou insuficiência
hepática.
Resultados do transplante.
- Os resultados do Registo do Transplante
Cardíaco em Itália, com um total de 5345 transplantes realizados desde 1984 até 31 Dezembro 2010, mostram uma sobrevivência
média de 65 % nos primeiros 5 anos e de 35% entre 5 -10 anos.
- Não obstante, estes dados são globais
e incluem todos os períodos de realização, os tipos de transplante e o seu risco, com os resultados para os casos habituais
e desde os últimos anos são muito melhores. Neste sentido, os resultados das nossas clínicas durante os últimos 5 anos mostram
uma sobrevivência ao ano de 90 % e em 5 –10 anos de 75 %. Assim, as estadias nas clínicas reduziram-se para 7-10 dias,
com redução de custos e complicações pós-operatórias. Se tivermos em conta, que estes pacientes não tivessem sido transplantados,
90% tivesse falecido durante o primeiro ano, podemos assegurar com segurança que o transplante cardíaco é a terapêutica que
maior diferença mostra entre tratamento cirúrgico e a evolução natural da doença.
- Os resultados devem avaliar-se não somente em
termos de sobrevivência mas também de qualidade de vida. Para os sobreviventes, o transplante cardíaco atinge a meta afixada.
Proporciona a possibilidade de incorporarem-se numa vida activa e normal de pacientes que, sem este tratamento, tinham uma
expectativa de vida inferior a um ano, com uma incapacidade física completa.